Existem mais de cem tons de cores. Mas prefere
o preto. Cítricas? Só quando vai à praia. E costuma cobrir suas pernas
esticadas, finas, com meias pretas. Usa
botas. Não existe mulher que se veste melhor do que as paulistas. E que saiba
qual bota escolher e como andar sobre elas. Sabe o equilíbrio entre o moderno e
o convencional. Senso estético apurado. Dona do seu próprio estilo. A
paulista não anda, caminha apressada. Vem e passa. Sem balanço. Sem mar para ir
atrás. Moça do corpo pálido. Saturado pela pressa. Beleza que passa sozinha. Não
faz questão de chamar atenção. Nem tanta questão de ser gostosa, mas magra.
Sempre de dieta. Sempre em guerra contra a balança. Malha
para se afunilar. Intensamente, pois sabe que a gastronomia da cidade é uma
tentação. Massas, pizzas, doces, sorvetes, doces, nhá benta, tesão... Academia?
Prefere pilates, que estica até o limite das juntas, quase rasga em duas. E
corre, se quer emagrecer urgentemente. Olhando
o chão, pois já tomou muitos tombos por causa das calçadas irregulares da
cidade, uma anarquia de desníveis, pedras, buracos, pisos sem um padrão seguro
para o seu caminhar apressado de botas, meias e pernas finas. Rebolar? Fora de
questão. Olha
para o chão e se lembra do que esqueceu, do quanto falta, do que faz falta, do
que está errado. A garota de São Paulo é perfeccionista, gosta de estar
ajustada, como as engrenagens de uma indústria. Quer a precisão da esteira de
uma linha de montagem. Passa
e olha para o chão, pois pensa nas atividades, nos prazos atrasados, nos
compromissos da semana, na agenda do mês. A
garota de São Paulo leva uma vida saudável. Procura comer verduras sem
agrotóxico. Leite? Desnatado. Carne vermelha? Eventualmente. Carboidrato à
noite? Nem pensar. O pão tem que ser integral. Linhaça e aveia no café da
manhã? Obrigação. Café descafeinado. Chás. Queijos brancos, magros. Nada
industrializado, a não ser a caixa de Bis, que detona algumas vezes em certos
períodos, que por vezes tem o intervalo longo, mas quando se torna um vício,
chora, porque algo deu errado, desembrulha e engole cada Bis, como se nele a
explicação das incoerências. Recicla
o lixo. Toma remédios para dormir. Toma excitantes para acordar. E aguentar a
jornada. Ela
é ambiciosa, trabalha demais, em mais de um emprego, pensa em dez coisas ao
mesmo tempo, procura conciliar a organização do lar com a de fora dele. Ama
e odeia o chefe. Ama e odeia o trabalho. Sabe que ele dá a independência para
ser a moça que quiser, mas também tira o tempo de ser a moça que queria ser.
Metade dela sofre o descarte para a outra parte florescer. Adora
elogios. Odeia galanteios. Adora presentes. Detesta insistentes. Quer ser
cortejada. Jamais abusada. Sorri quando assopram um elogio. Fecha a cara quando
ultrapassam o limite da sua intimidade. Preserva a privacidade. Algumas
querem ser chefe. Chefiar garotos de São Paulo. O que só dispara seu conflito
maior, o de agregar. Terá que dar ordens, broncas, demitir, exigir, estipular
metas, cobrar eficiência. E depois sozinha em casa chora no escuro ao som de
Billie Holiday. Se sente pressionada, e ela não sabe por quê. A vida não faz
sentido, e ela não sabe por quê. Chora
em comerciais da TV, cerimônias de casamento, em maternidades, quando visita as
amigas, no farol, quando uma criança vende bala. A garota de São Paulo dirige bem. O problema é que se maquia enquanto fala no
celular e ultrapassa um busão articulado, aproveitando a brecha entre ele e uma
betoneira lotada de concreto. E se esconde no anonimato do insulfilm, muda a
música do MP3 e, dependendo dela, canta sozinha em voz alta, para não ouvir
impropérios. Faz
tanta coisa ao mesmo tempo... Dirige bem, mas é dispersa. Pensa em vinte coisas
em dez segundos. Nunca chega a uma conclusão. Liga
para a mãe semanalmente. Troca poucas palavras com o pai. Detesta a esposa do
irmão. E ama as amigas. Com quem viaja para a praia, para não ficarem um
segundo em silêncio. Se o tempo não dá chances, prefere uma tarde na piscina do
condomínio com as amigas do que encarar o parque lotado. Se
irrita com homens que falam de dinheiro. Se irrita com homens que contam
vantagens no trabalho. Se irrita com homens grudentos, esnobes, arrumadinhos,
fúteis, incultos, mal-educados. Gosta
de homem interessante. É assim que ela seleciona: os interessantes e os não. O
que é um homem interessante? Nem se gravar o papo de seis horas na piscina com
as amigas consegue-se descobrir. Tem
que ser aquele que chega e não dá bola. Mas que a repara bem antes de ir
embora. Que olha como se ela fosse a mais fosforescente das mulheres. E que
desse um jeito a todo custo de trocar meia dúzia de palavras e, claro, criar
laços e conexões. Mas
se nada der certo, garotos, não esquentem a cabeça. A mulher de São Paulo sabe
seduzir. Sabe olhar e demonstrar. Sabe chamar atenção e indicar que você foi o
escolhido. Sabe sorrir, ser paciente com a sua demora, ouvir atentamente os
seus devaneios e engasgos. E, quando parece tudo estar perdido, sabe dizer a
hora de ir embora, como e sugerir na casa de quem. A
garota de São Paulo não enrola. Quando não quer, deixa claro. Quando quer, faz
de tudo para acontecer. E não tem o menor pudor de ir para a casa com você na
primeira noite, preparar o café da manhã da primeira manhã, que logo, logo,
ambos saberão se vai se repetir ou ser o único. Pode
deixar. Andando de volta para casa, com suas meias pretas e botas, olhando para
o chão, ela pensará em você.
Tudo
isso é uma generalização literária. Mas me dá licença, poeta, para uma licença
poética, homenageando sem pedir licença a graça pragmática da mulher
paulista.